Nulidade de testamento por testador alcóolatra

A ausência de capacidade para testar em razão de etilismo crônico ocasionando a nulidade do testamento

por Giovana Marcondes Naya

Há uma capacidade especial para testar que não se confunde com a capacidade em geral para os atos da vida civil. Quando a lei regula diferentemente a aptidão para determinados atos, trata-se, na verdade, de legitimação para o ato, em terminologia destacada da teoria do processo. Se não são todas as pessoas que podem testar, importa, então, examinar quais as pessoas legitimadas a efetuar o ato. Também não há reciprocidade, porque se, regra geral, todas as pessoas físicas ou jurídicas podem receber por testamento, só as pessoas físicas podem testar. As pessoas jurídicas têm outras formas de disposição de seu patrimônio quando de seu desaparecimento.

O Código Civil estabelece em seu art. 1.860 que, além dos incapazes, não podem testar os que, no ato de fazê-lo, não tiverem pleno discernimento. Ausente comprovação da alegada debilidade mental do testador ou da existência de vícios de vontade, deve prevalecer a presunção de validade do testamento.

Desta forma, o TJDF se pronunciou em decisão pela nulidade de testamento de testador com etilismo crônico, conforme prontuários médicos, vejamos:

APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSO CIVIL E CIVIL. ANULAÇÃO DE TESTAMENTO. CERCEAMENTO DE DEFESA. PROVA TESTEMUNHAL. DESCABIMENTO. MÉRITO. PRONTUÁRIO MÉDICO. QUADRO DEMENCIAL PROGRESSIVO. ETILISMO CRÔNICO. INCAPACIDADE PARA TESTAR. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. O depoimento de testemunhas não técnicas não se constitui em meio hábil para refutar as alegações de fato trazidas em relatório médico fundado na opinião de dois especialistas em neurocirurgia acerca do quadro demencial progressivo do testador. Cerceamento de defesa não configurado. 2. Decerto que a escritura pública de testamento é negócio jurídico unilateral, perfeito e acabado, o qual possui presunção relativa de veracidade que somente podendo ser afastada por prova inequívoca em sentido contrário. 2.1 A ausência de capacidade para testar foi atestada pela comprovação de quadro demencial progressivo do testador e etilismo crônico ocasionando a nulidade do testamento. 3. Recurso conhecido e não provido.

(TJDF 00173505220168070007 DF 0017350-52.2016.8.07.0007, Relator: EUSTÁQUIO DE CASTRO, Data de Julgamento: 22/10/2020, 8ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 05/11/2020 . Pág.: Sem Página Cadastrada.)

É fato que o STJ tem se posicionado de maneira a flexibilizar as exigências para validação do testamento, reforçando que a real intenção do testador deve ser privilegiada, mas ainda cuidando para que não ocorram fraudes, trazendo sempre, em caso de dúvidas, as análises caso a caso para discussão.

No julgamento do EAREsp 365.011, o ministro Marco Aurélio Bellizze lembrou que a corte, a partir do REsp 302.767, tem “contemporizado” o rigor formal do testamento, entendendo ser ele válido sempre que estiver presente a real vontade do testador, manifestada de modo livre e consciente.

Da mesma maneira, a ministra Nancy Andrighi, ao analisar o REsp 1.633.254, observou que, em se tratando de sucessão testamentária, o objetivo a ser alcançado é a preservação da manifestação de última vontade do falecido. Segundo ela, as formalidades previstas em lei devem ser examinadas à luz dessa diretriz.

Para o ministro Luis Felipe Salomão, a jurisprudência do STJ vem abrandando a exigência dos requisitos essenciais do testamento particular, afastando os rigores do formalismo exacerbado em detrimento de sua finalidade, quando não houver dúvidas em relação à vontade do testador.

“O ponto-chave é, sempre e sempre, afastar qualquer incerteza em relação à disposição de última vontade, livre e espontânea, do testante”, destacou Salomão no AREsp 1.534.315.

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